Immediatism – Essays by Hakim Bey

3 de janeiro de 2012

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I.

Toda a experiência é mediada – por mecanismos da percepção sensorial, mentalização, linguagem, etc. — e seguramente toda a arte consiste numa mediação mais aprofundada da experiência.

II.

Contudo, a mediação acontece gradualmente. Algumas experiências (cheiro, gosto, prazer sexual, etc.) são menos mediadas que outras (ler um livro, olhar através de um teles cópio, ouvir um disco). Alguns media, especialmente ‘artes ao vivo’ como a dança, o teatro, ‘performance’ teatral ou poética, são menos mediadas que outras como a TV, os Cds, ou a Realidade Virtual. Mesmo entre os media, designados usualmente por ‘media’ uns são mais e outros menos mediados, de acordo com a intensidade de participação imaginativa que requerem. Tipografia ou rádio pedem mais à imaginação, os filmes menos, a TV ainda menos e o VR o menos de todos — por agora.

III.

Em relação à arte a intervenção da Capital assinala sempre um grau mais extenso de mediação. Dizer que a arte se acomodou é dizer que a mediação, ou o estar no meio, ocorreu, e que esse estar no meio significa uma dispersão e que esta dispersão degenera em ‘alienação’. A música improvisada tocada por amigos em casa é menos ‘alienada’ que a música tocada ao ‘vivo’ no Met (Sala de Música) ou música ouvida através dos ‘media’ (seja PBS ou MTV ou um Walkman). De facto, pode-se usar o argumento de que a música distribuida livremente ou ao custo de uma cassete via mail é MENOS alienada que a música ao vivo tocada em qualquer grande espectáculo ‘We Are the World’ ou num ‘niteclub’ em Las Vegas, mesmo que esta última seja música ao ‘vivo’ tocada para uma audiência viva (ou pelo menos pareça ser) enquanto a primeira é música gravada consumida por ouvintes distantes e até anónimos.

IV.

A tendência para a Hi Tech, e as tendências do Recente Capitalismo, ambas impelem as artes mais e mais para formas extremas de mediação. Ambas alargam o abismo entre a produção e o consumo da arte, com um aumento correspondente de ‘alienação’

V.

Com o desaparecimento do “mainstream” e por isso da “avant-garde” nas artes, notou-se que todas as mais intensas e mais avançadas experiências artísticas foram recuperáveis, quase instantaneamente, pelos media, e assim transformadas em lixo, igual a todo o outro lixo presente no mundo fantasma do consumo. ‘Lixo’, tal como o termo foi redefinido em, digamos, Baltimore na década de 70, pode ser muito divertido — como uma visão irónica de uma espécie de cultura folclórica que rodeia e preenche as regiões mais incinscientes da ‘sensibilidade’ popular. — que por sua vez é em parte produzida pelo Espectáculo. ‘Lixo’ já foi um conceito novo com uma potencialidade radical. Agora, contudo, entre as ruinas do Post-Modernismo, começou finalmente a cheirar mal. A frivolidade irónica finalmente tornou-se desgostante. É possível agora SER SÉRIO MAS NÃO SÓBRIO? Nota: A Nova Sobriedade é de certo simplesmente o reverso da Nova Frivolidade. O Neo- Puritanismo chic tem as cores da Reacção, do mesmo modo que a ironia filosófica postmodernista e o desespero levam à Reacção. A Sociedade da Purga é a mesma da Sociedade do Excesso Compulsivo. Depois dos ’12 degraus’ da moda da renuncia nos anos 90, tudo o que resta é o 13o passo a forca. A ironia pode tornar-se aborrecida, mas a auto-mutilação nunca foi senão um abismo. (Abaixo a frivolidade — Abaixo a sobriedade). Todas as coisas delicadas e belas, do Surrealismo à Break-dancing, acaba em alimento para anúncios McMorte(McDeath’s ads); 15 minutos mais tarde toda a magia foi sugada e a própria arte morta como um gafanhoto seco. Os magos dos media, que não são senão postmodernistas , inclusivamente começado a alimentar-se da vitalidade do ‘lixo’, como abutres regurgitando e reconsumindo o mesmo alimento, no extase obsceno da auto-referencialidade. Como se pode sair disto?

VI.

A verdadeira arte é lúdica, é a forma mais imediata de todas as experiências. Daqueles que cultivaram esse prazer não se pode esperar que desistam dele simplesmente para marcar uma atitude política (como numa Greve de Arte, ‘ou‘ a supressão sem a realização’ da arte; etc.). A Arte continuará, mais ou menos do mesmo modo que respirar, comer ou fornicar continuará.

VII.

Apesar disso, causa-nos repulsa a extrema alienação das artes, especialmente nos ‘media’, nas publicações e galerias comerciais, na ‘indústria’ discográfica, etc. E, por vezes, preocupamo-nos até sobre até que ponto o nosso envolvimento nestas artes como o escrever, o pintar, ou a música nos implica numa ruim abstração, a remoção de uma experiência imediata. Falta-nos a implicação directa do lúdico (a nossa tendência original para fazer arte em primeiro lugar); falta-nos cheirar, tocar, a sensação dos corpos em movimento.

VIII.

Computadores, video, radio, imprensa escrita, sintetizadores, máquinas de fax, gravadores, fotocopiadoras — todas estas coisas fazem excelentes brinquedos, mas terrivelmente viciantes. De repente percebemos que não podemos ‘estender a mão e tocar em alguém’ que não está presente em carne e osso. Estes media podem ser úteis para a nossa arte — mas não devem apoderar-se de nós, nem devem estar entre, ser mediadores ou separar-nos do nosso eu animal/animado. Queremos controlar os nossos media, não ser Controlados por eles. E gostariamos de lembrar uma certa arte marcial psíquica que defende a ideia de que o próprio corpo é o menos mediado de todos os media.

IX.

Assim, como artistas e ‘trabalhadores culturais’ que não têm a intensão de desistir da actividade do media que escolhemos, nós apesar disso pedimos a nós próprios uma extrema consciência do imediato, assim como o comando de certos meios directos de implementar essa consciência de forma lúdica, imediatamente (já) e imediatamente (sem mediação).

X.

Percebendo perfeitamente que qualquer ‘manifesto’ de arte escrito hoje só pode cheirar mal à mesma amarga ironia a que pretende opôr-se, nós apesar disso declaramos sem hesitação (e sem pensar muito) a fundação do ‘movimento’ IMEDIATISMO. Sentimo-nos livres de o fazer porque resolvemos praticar o Imediatismo em segredo, para evitar toda a contaminação com a mediação. Em público vamos continuar o nosso trabalho em publicações, rádio, música, etc., mas em privado nós criaremos outra coisa, qualquer coisa que possamos partilhar livremente mas nunca consumir passivamente, qualquer coisa que possa ser discutida abertamente mas nunca entendida pelos agentes da alienação, qualquer coisa sem potencial comercial e contudo de um valor para além do preço, qualquer coisa de oculto se bem que completamente entrelaçado no tecido da nossa vida de todos os dias.

XI.

O Imediatismo não é um movimento no sentido de um programa estético. Depende somente da situação, não do estilo ou do conteudo, menssagem ou Escola. Pode ter a forma de qualquer de um qualquer jogo criativo e pode ser efectuado por duas ou mais pessoas, por e para si próprios, face-a- face ou em conjunto. Neste sentido é como um jogo, e contudo devem ser aplicadas algumas ‘regras’.

XII.

Todos os espectadores têm que ser também interpretes. Todas as despesas são para ser partilhadas, e todos os produtos que resultem desse ‘jogo’ são também para ser partilhados somente entre os participantes (que podem guardá-los, oferecê-los como presentes, mas não podem vendê- los). Os melhores ‘jogos’ farão pouco ou nenhum uso das formas óbvias de mediação como a fotografia, a gravação, a impressão, etc., mas tenderão para técnicas imediatas envolvendo presença física, comunicação directa e os sentidos.

XIII.

Uma matriz óbvia para o Imediatismo é uma festa. Assim, uma boa refeição pode ser um projecto de arte Imediatísta, principalmente se todos os presentes cozinharem e também comerem. Os antigos Chineses e Japoneses nos dias enevoados de Outono davam festas de odores, onde cada convidado tinha que trazer um incenso ou um perfume feito em casa. Em festas ligadas à poesia cada verso de-pé-quebrado conduzia a um castigo que era beber um copo de vinho. (Quilting bees, tableaux vivants exquisite corpses, rituals of conviviality like Fourier’s “Museum Orgy” (erotic costumes, poses, & skits), live music & dance–the past can be ransacked for appropriate forms, & imagination will supply more).

[Quadros vivos, ‘cadavre exquis’ são rituais de convivialidade como o ‘Museu da Orgia’ de Fourier (vestes eróticas, poses etc.) música ao vivo e dança — o passado pode ser assaltado para apropriação de figuras, e a imaginação pode fornecer mais]

XIV.

A diferença entre o ‘quilting bee’ do século XIX, por exemplo e o ‘quilting bee’ Imediatísta estará na conscencialização da prática do Imediatismo como resposta às tristezas da alienação e da ‘morte da arte’.

XV.

A ‘mail art’ dos anos 70 e o cenário dos ‘zine’ (creio que fanzines) dos anos 80 são tentativas de ir além da mediação das artes-como-consumo, e podem ser considerados antepassados da Imediatismo. Contudo, eles conservaram as estruturas mediadas da comunicação postal e xerografia, e assim falharam o isolamento dos interpretes, que ficaram literalmente fora de contacto. Nós queremos levar os motivos e descobertas destes primeiros movimentos à sua conclusão lógica numa arte que vai banir toda a mediação e alienação, ao menos até onde a condição humana o permite.

XVI.

Mais ainda, o Imediatismo não está condenado à impotência no mundo, só porque evita a publicidade e o mercado. O ‘Terrorismo Poético’ e a ‘Sabotagem da Arte’ são manifestações lógicas do Imediatismo.

XVII.

Finalmente, esperamos que a prática do Imediatismo venha libertar dentro de nós vários armazenamentos de poder esquecido, que não só transforme as nossas vidas através da realização secreta de ‘procedimentos lúdicos’ não mediados, mas também, inevitavelmente venha melhorar, fazer explodir e influênciar a outra arte que criamos, a arte mais pública e mediada.

E esperamos que as duas vertentes se aproximem mais e mais e que eventualmente se transformem numa só. 

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